Há alguns dias, está rolando uma obra aqui no vizinho. Moro num sobradinho geminado, então tudo o que acontece na casa ao lado parece estar acontecendo bem aqui. Martelo, maquita e poeira.
Mas a verdade é que apesar disso, o maior barulho e o maior quebra-quebra que eu vinha vivenciando era dentro da minha mente.
Uma voz, fora do comum, colocando em dúvida todas as minhas convicções, minhas certezas, verdades e vontades.
E por alguns dias, admito que eu me rendi a essa tal voz.
Embarquei nos seus devaneios, e comecei a questionar meu amor pela vida e minha fé.
Fiquei séria, sisuda, introspectiva. E todo meu encantamento eu embrulhei, coloquei numa caixinha, e entreguei para aquela voz.
Satisfeita, como um pedinte atendido que retorna no dia seguinte e vira freguês, ela voltou. E a cada dia, ela levava um pedaço adicional de mim.
Num dia, levou meu sorriso. No outro, minha confiança. Não satisfeita, seguiu voltando, repetidas vezes, e foi levando sonhos, levezas, danças, cantos, doçuras e sutilezas, lembranças, esperança, cor e sabor, visões e objetivos.
Quando me dei conta, eu já não era mais eu.
Me sentia uma parte ínfima de mim, gotícula da minha essência, lâmpada de emergência da minha luz – daquelas prestes a descarregarem e deixarem nada além de escuridão.
E foi aí que eu me desequilibrei de vez. E caí.
Estirada no chão, tudo o que eu via eram pés caminhando apressados diante dos meus olhos.
E me lembrava daquela musiquinha “como são belos os pés do mensageiro”, mas, em plena confusão mental e com pena de mim mesma, negava minha verdade e minha intuição, e não conseguia identificar mensageiro nenhum passar por mim.
Estava tão cega, tão fechada no meu próprio mundo, que me lembrava vagamente da figura de algumas pessoas se abaixando para falar comigo, mas eu simplesmente fechava os olhos para o mundo externo, enquanto acreditava estar num mundo hostil: havia criado um vazio interno tão grande, e estava lá há tanto tempo, que o escuro começava a ser minha nova realidade e o pior, eu começava me sentir em casa lá.
Quando vivemos por muito tempo determinada realidade, começamos a nos convencer de que aquilo é o que tem pra hoje, que aquilo é o normal, o aceitável, e, no limite, começamos a acreditar que é aquilo que merecemos.
Naqueles dias eu comprei a ideia de que aquela era minha nova realidade: um mundo cinza, insípido e inodoro, de semblantes sérios e muito barulho mental.
E admito que por ali ficaria por muito tempo, não porque fosse bom, mas porque já havia se tornado algo conhecido pra mim.
Mas eis que alguém lá em cima se cansou de me ver tão fora do meu centro, que me mandou auxílio.
Sim, auxílio e não ajuda. Ajudar é dar o peixe, enquanto que auxiliar é ensinar a pescar. E se você refletir, perceberá que Deus sempre nos auxilia: Ele não faz sua parte por você, pois se o fizesse, estaria anulando a força da Centelha Divina que existe em cada um de nós.
Pois bem, Ele me mandou auxílio.
E você deve estar imaginando que de repente caminhos se abriram, uma ponte surgiu do nada, uma luz me iluminou quase me cegando, ou coisas do gênero, certo?
Errado: Ele me mandou mais um grande desafio, e minha sensação foi como se tivessem batendo em morto – e o morto era eu.
Apanhei, fiquei (ainda mais) fora de mim. O mundo girou, estrelas rodearam minha cabeça (como num velho desenho do pica-pau).
E tudo ficou escuro. De novo.
Encontrei-me, novamente, mergulhada nas minhas sombras.
Enfim, recebi uma nova lição, ainda lá na profundeza das minhas sombras.
E eis que anjos de carne e osso vieram me socorrer. Eles me deram a mão, me mandaram mensagens de amor, me pegaram no colo.
E eu me deixei ser cuidada e guiada. Eles me colocaram de pé. E eu me dei conta de que já podia voltar a caminhar. Por estradas diferentes, pois até então não tinha me dado conta de que estava andando em círculos.
E hoje cá estou, de volta, me refazendo, “caminhando e cantando e seguindo a canção”.
Até que a vida me entregue um novo ritmo e eu tenha que, novamente, aprender a dançar rapidinho.
Assim é nossa vida: infinitos capítulos de uma novela chamada Ascensão e Queda das Grandes Potências.
Porque é isso o que somos: grandes potências reaprendendo a reconhecer nosso poder, nosso valor e nossa grandeza!
Nota importante: o que eu sinto é aquilo que está dentro de mim, o que eu preciso trabalhar em mim. Se sinto que a vida me bate, na verdade sou eu sentindo que estou apanhando. Autorresponsabilidade é isto: me responsabilizar pela interpretação que eu dou aos fatos. Os fatos, por si só, não são bons nem ruins. São apenas fatos. Os rótulos somos nós quem damos