A voz

Hoje cedo, logo após o café, aquela velha voz veio conversar comigo.

Dizia ela: É assim mesmo, você está sozinha, as coisas são como são. É melhor você ficar na sua, não se expor, pra não se machucar ou frustrar suas expectativas de novo.

E então (acho que pela primeira vez na vida), eu perguntei: Quem é você?

E a voz respondeu: Eu sou aquela que te guarda e protege de sentir dor e sofrimento. De se decepcionar, de se sentir rejeitada, abandonada, preterida. Desde que você nasceu, eu te defendo dos perigos do mundo.

E eu contra-argumentei: Mas você também me limita sentir muitas outras coisas, como amor, alegria, confiança, paixão, entusiasmo, presença, contemplação, liberdade, gratidão… certo?



Ela disse: Sim, é verdade! Mas veja, tudo isso é para o seu próprio bem. Só assim você não se frustra, nem se machuca nesta vida.

E eu pensei alto: Então eu sou Consciência tendo uma experiência de Sentir como é lidar e brincar com Energia na matéria, e com sua ajuda estou bloqueando a maior parte do Sentir e da graça da própria experiência?

E a voz respondeu prontamente: Isso mesmo! E estamos nos saindo muito bem na tarefa! Todos os dias subimos enormes muros para nos protegermos da maioria das sensações. Fortalecemos nossas armaduras, e sobrepomos nossas muitas máscaras, para que ninguém perceba o que estamos, de fato, sentindo. Todos os dias nos escondemos de tudo que nos amedronta, assim nada de ruim jamais poderá nos encontrar.

E aquela conversa de que tudo que vejo no mundo é um reflexo da minha própria energia? Perguntei.

É verdade – a voz disse.

Então estamos o tempo todo fugindo de nós mesmos, ou seja, dos meus próprios reflexos?

Sim, mas são partes nada bonitas suas, e não vale a pena você ficar olhando pra elas. E é meu dever te alertar e proteger.

Imagino que seu trabalho, voz, seja cansativo, repetitivo, e você a esta altura esteja, como eu, cansada de viver sempre as mesmas coisas – os mesmos medos, usando os mecanismos de defesa de sempre, andando m círculos, evitando sentir coisas novas com a desculpa de que poderíamos nos machucar.

A voz concordou.

Mas… e se eu escolher olhar pra tudo isso agora, sem muros, máscaras e armaduras; sem medos, dúvidas ou inseguranças?

Aí, disse a voz, os muros que a separam do Todo caem, você se torna tão vulnerável quanto livre e soberana, e eu perco minha função.

Se eu me torno Una com o Todo, você não some, voz. Você também se torna Una comigo, com a alegria, com o amor, com a liberdade…

E a voz retruca: Uau, é verdade! Eu não tinha parado para pensar nisso…

E então foi aí que eu escancarei as portas do meu Eu para que aquela voz, parte de mim, pudesse voltar pra casa. 

Agora vou sair para, juntas, integradas e em paz, caminharmos, apreciarmos na perfeição do aqui agora pássaros, borboletas, macaquinhos, árvores, flores, e a voz do silêncio e da serenidade, que a partir deste agora, finalmente poderá ser ouvida.

Bem-vindas de volta, todas as partes de mim!



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